Rações para cães e gatos colocadas no mercado pet, inclusive de marcas conhecidas, iludem o comprador por não conterem os ingredientes apontados nas embalagens, segundo estudo de pesquisadores do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena), da Universidade de São Paulo (USP), em Piracicaba. No caso de algumas rações específicas para os felinos, o problema é ainda maior, pois a composição inclui mais carboidrato do que o recomendado para os gatos, o que pode ocasionar problemas de saúde.
O Cena é uma unidade especializada da USP ligada à Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), que fornece à comunidade serviços como análises de alimentos, desenvolvimento de novas variedades e irradiação de produtos alimentícios para fins de conservação. No caso das rações para pets, foram analisadas 82 amostras de 25 marcas e a maioria não contém todos os nutrientes indicados na embalagem. "Encontramos praticamente milho e subprodutos da carne de frango, mas os rótulos fazem menção a ingredientes mais saborosos e de maior valor nutricional que não estão na ração", disse o pesquisador Luiz Antonio Martinelli, que orientou o estudo.
Segundo ele, em 80% das rações caninas analisadas, as embalagens têm fotos ou menções a salmão, cordeiro ou carnes macias, que são apelos para venda, mas não estão no produto. "A ração não está em desacordo com a legislação, porém ilude o consumidor. Ele acha que está comprando aqueles produtos que estão na embalagem, o que não é verdade."
O problema mais sério, segundo ele, está nas rações para gatos. Em dois terços das 52 amostras de 28 marcas analisadas, foram encontradas quantidades de carboidrato acima da recomendada para esses animais. "O gato é carnívoro e, quando a dieta dele tem mais de 10% de carboidratos, como encontramos, ele pode ter problemas no sistema digestivo", disse. Apenas as rações úmidas, como as de sachês e latas, tinham a proporção correta de carboidratos, segundo ele.
O pesquisador sugere que o consumidor deve ler o rótulo ao adquirir a ração e conversar com o veterinário, caso o animal que esteja consumindo o produto apresente algum problema. Também é recomendável acionar o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) do fabricante caso suspeite de desconformidade entre o rótulo e o produto. As marcas das rações analisadas não foram divulgadas porque, segundo eles, o objetivo era ter um panorama geral dos produtos colocados no mercado.
Uma avaliação mais ampla, com produtos da mesma marca, será feita na próxima etapa do estudo, quando também será avaliada a capacidade dos animais de digerir os alimentos. Os resultados da pesquisa foram publicados na PeerJ, revista científica de acesso aberto que divulga a investigação nas áreas de ciências biológicas e médicas.
Clareza
A Associação Brasileira da Indústria de Produtores para Animais de Estimação (Abinpet) informou que as rações fabricadas no Brasil atendem a consensos de nutrição como a proporção de 30% a 50% de proteína animal e de 40% a 65% de proteína vegetal. Conforme a Abinpet, o fabricante deve expor com clareza no rótulo os ingredientes usados na formulação de cada produto. "A entidade não apoia indústrias que não aplicam boas técnicas de fabricação e considera como casos isolados alimentos que, porventura, não sigam padrões rigorosos de qualidade", disse em nota.
O médico-veterinário Aulus Cavalieri Carciofi, presidente da Sociedade Brasileira de Nutrição e Nutrologia de Cães e Gatos, disse que teve contato com o estudo dos pesquisadores do Cena e ficou preocupado com alguns comentários que foram incluídos na publicação.
"A ideia de usar isótopos para analisar os ingredientes é interessante, uma contribuição muito boa para mostrar a composição das rações. Já sobre as interpretações dos resultados tenho algumas discordâncias. É equivocado dizer que temos excesso de amido na ração de gato. De forma contrária ao que o estudo sugere, temos visto que o gato apresenta uma tolerância bem ampla ao amido. Assim, usar milho e frango na ração não é um problema."
Ele lembra que os carnívoros, como cães e gatos, não são seletivos como o homem. "Ele pode comer o frango inteiro, o que não impede que se use intestinos, vísceras e outras parte que não vão para consumo humano. O bom é que não compete com a nutrição humana. Imagine se usarmos o arroz no lugar do milho e outras carnes mais nobres. São 65 milhões de cães e gatos hoje no Brasil."
Carciofi considera que o estudo abre a possibilidade de uma discussão sobre a legislação brasileira que trata principalmente dos rótulos. "A nossa legislação permite colocar foto do peixe se tem sabor de salmão na ração. É diferente da americana que, se o rótulo diz 'feito com', é preciso ter ao menos um pouco do produto. Já se fala em 'à base de', precisa ser feito principalmente com esse produto."
Carciofi é professor da Unesp em Jaboticabal e se especializou em desenvolvimento e avaliação de ingredientes de rações, análises laboratoriais de alimentos e desenvolvimento de pet food. Ele também pesquisa nutrição, metabolismo e doenças nutricionais em espécies, como cães, gatos e animais selvagens. A sociedade que preside foi criada para orientar tutores de cães e gatos. "É bom quando um estudo de cientistas provoca uma discussão sobre um tema. Isso ajuda a responder as dúvidas que a população tem".
Fonte: Site Terra