Médico-Veterinário é essencial na preservação e estudo da vida marinha
Hoje, dia 8 de junho, é comemorado o Dia Mundial dos Oceanos. Os oceanos nos alimentam, sustentam boa parte da atividade econômica no mundo, fornecem boa parte do ar que respiramos e ajudam a regular o clima. Além disso, servem como fonte de alimento e de renda para mais de 1 bilhão de pessoas e abrigam uma biodiversidade extremamente rica.
Preservar a vida marinha e garantir a sobrevivência do planeta e da humanidade. E, nesta missão, o Médico-Veterinário é essencial. Isso porque a sobrepesca, o desenvolvimento urbano desordenado e a poluição acabam afetando diretamente ecossistemas e as espécies como um todo, incluindo nós mesmos. Segundo o mais recente relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), apresentado em maio de 2019, acerca do impacto humano sobre a natureza, cerca 1 milhão de espécies de animais e plantas correm risco de extinção dentro de décadas.
Pensando nisso, o Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado do Espírito Santo (CRMV-ES) conversou com Luis Felipe Mayorga, Responsável Técnico (RT) do Instituto de Pesquisa e Reabilitação de Animais Marinhos (IPRAM) sobre o papel do Médico-Veterinário na preservação e no cuidado com os oceanos e sobre o trabalho do instituto, que tem sede no Estado. Confira!
1) O Médico-Veterinário pode contribuir de diversas formas na preservação e no cuidado com os oceanos. Pode citar algumas destas contribuições?
Os animais marinhos apresentam uma dificuldade de serem estudados em seu ambiente natural justamente por causa dos desafios que o mar proporciona (turbidez da água, vastidão de espaço para deslocamento…). Você não consegue instalar câmeras-armadilha em mar aberto, nem colher fezes ou fotografar pegadas, como no ambiente terrestre. Por isso, quando um Médico-Veterinário recebe um animal marinho debilitado para tratamento ele tem a oportunidade de coletar informações muito preciosas.
Em sua conduta clínica, ele também pode realizar várias ações benéficas para o meio ambiente e a sociedade. Ao colher amostras do paciente para realização de cultura microbiológica e antibiograma ele pode detectar bactérias resistentes a antibióticos. Ele pode diagnosticar parasitas aquáticos com potencial zoonótico, como o nematódeo Contracaecum pelagicum, por exemplo.
Ao registrar a presença de tumores em tartarugas marinhas, o Médico-Veterinário encontra indícios de poluição no mar – o mesmo que os banhistas humanos frequentam. No exame físico ele pode encontrar e registrar lesões causadas por predadores ou pela ação do homem. Por exemplo: marcas de aprisionamento em petrechos de pesca, marcas de estrangulamento em artefatos humanos como sacolas plásticas, indícios de colisão com embarcação ou encontrar detritos de origem humana no trato gastrintestinal dos animais.
Por todas essas razões, o tratamento dos animais marinhos não é um benefício exclusivo para o animal, mas gera informações importantes sobre a história natural e a saúde do ambiente marinho.
Além do atendimento clínico aos animais resgatados nas praias, outra importante contribuição é o exame necroscópico das carcaças para identificação da causa da morte e contribuição na compreensão sobre o impacto da humanidade ao ambiente marinho, além, é claro, de informações sobre o ciclo de vida dessas animais.
Em resumo, o trabalho do Médico-Veterinário contribui com as ciências biológicas quando descobre novas informações sobre os hábitos de vida dos animais marinhos, e também com a saúde pública quando investiga doenças e quando detecta o impacto da poluição marinha.
2) Como o IPRAM trabalha em prol dos oceanos e da vida marinha na costa do Espírito Santo? Qual é o seu papel, como Médico-Veterinário, dentro do Instituto?
Através de um acordo de cooperação com o IEMA – uma autarquia do Governo do Estado – o IPRAM operacionaliza o Centro de Reabilitação de Animais Marinhos do Espírito Santo (CRAM-ES).
Nesse contexto, o IPRAM realiza o atendimento clínico e o exame necroscópico de animais marinhos. Também estamos de prontidão 24h/dia para atender aves, répteis e mamíferos no caso de um derramamento de óleo acontecer no litoral do Espírito Santo, com profissionais capacitados e uma estrutura física apta para realizar a descontaminação.
Além disso realizamos ações de educação ambiental e publicações científicas das informações obtidas. Atualmente temos vários médicos veterinários atuando na linha de frente, e eu não trabalho mais no atendimento clínico aos animais.
Atuo como Responsável Técnico (RT) coordenando a execução geral dos trabalhos, gerando ou mantendo a documentação para licenciamento da nossa atividade (que não são poucas) e abrindo frentes para captação de recursos. Embora nossa renda venha da prestação de serviços com fauna às empresas, o IPRAM é importante porque também pode realizar ações de proteção à fauna quando não há quem se responsabilize financeiramente pelo problema.
Um exemplo disso foi a contribuição que fizemos no ano de 2019 ao prestarmos atendimento às aves contaminadas por óleo provenientes do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos (BA) durante o derramamento de óleo sem origem que afligiu a região Nordeste do país, e também – com menor impacto – o ES.
Outra característica do IPRAM é que nossa existência não está vinculada à prestação de um serviço específico; continuaremos exercendo nossas atividades da forma como for possível, com ou sem recursos, enquanto tivermos capacidade.
3) De acordo com suas vivencias na área, quais os maiores problemas enfrentados pelos oceanos e pelos animais marinhos atualmente? E como esses problemas poderiam/podem ser evitados?
Existem vários problemas de origem antrópica envolvendo o ambiente marinho, tais como o despejo de esgoto urbano no mar, a perda de habitat dos animais pela expansão imobiliária do litoral, descarte inadequado do lixo e a sobrepesca.
As soluções envolvem muito diálogo e ações desconfortáveis que alteram nosso estilo de vida. Contudo, é necessário que a sociedade mude alguns dos seus hábitos de consumo, pois como todos os seres que habitam a terra, nós também somos totalmente dependentes da saúde do oceano.
4) Fale um pouco sobre sua trajetória como Médico-Veterinário e como você chegou a esta área de atuação?
Eu sempre me identifiquei com o ambiente marinho; cresci em cidades litorâneas, praticava mergulho em apneia e passeava nas ilhas de Vila Velha nas baiteras da comunidade de pescadores de Itapoã.
Durante o curso de Medicina Veterinária me aproximei da área de animais silvestres, mas não encontrei cursos específicos para animais marinhos e me dei conta de que precisaria construir meu próprio caminho. Fiz cursos voltados para biólogos e oceanógrafos (como um curso de observador de bordo, por exemplo) e procurei fazer estágios não-remunerados em instituições que trabalhavam com animais marinhos. Uma delas foi o Projeto Tamar, através do qual passei dois meses e meio da Ilha da Trindade, coletando informações sobre a temporada reprodutiva da tartaruga-verde (Chelonia mydas) – uma atividade nada veterinária.
Outra coisa que ajudou bastante foi participar do GEAS-UVV (Grupo de Estudo de Animais Selvagens da Universidade Vila Velha), onde conviviam estudantes de Medicina Veterinária e ciências biológicas. Nesse universo, passei a frequentar círculos sociais de estudantes de biologia e criar a rede de contatos profissionais com a qual eu viria a fundar o IPRAM, pouco menos de um ano antes da minha graduação.
Ao me formar, em 2011, ainda realizei alguns trabalhos com animais selvagens (como resgate de fauna para empresas de consultoria ou atendimento clínico de pets exóticos) até que nossa ONG se fortalecesse e eu pudesse lhe dedicar toda a minha atenção.