Corpo de Bombeiros Militar do ES é referência nacional em salvamento com cães
O Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV-ES), por meio do Conselheiro Médico Veterinário Dr. Fabricio Pagani e do assessor da presidência, o servidor da Autarquia André Amaral, participaram de uma reunião com o Tenente-Coronel Leonardo de Alcântara Merigueti do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Espírito Santo (CBMES) para conhecer o Serviço de Salvamento com Cães – K9.
O Coronel Merigueti é referência no assunto, participou de diversos cursos, treinamentos e visitas em vários países e hoje tem reconhecimento nacional no treinamento de militares e cães para resgate de vítimas. A aproximação com o CRMV-ES tem como objetivo o apoio ao trabalho voluntário com reconhecimento nacional realizado com cães de resgate. Na reunião, além dos trabalhos institucionais, foram debatidos valores pessoais para seleção de equipe, etologia, saúde animal, entre outros.
Na conversa, o Coronel Merigueti falou sobre a ação com o K9. “O trabalho com cães junto as forças de segurança se destacou a partir da segunda guerra mundial, onde os Estados Unidos reconheceram a importância do trabalho criando as unidades K9, que consistiam em quarteis com cães e soldados, onde estes iam embora e aqueles ficavam”, diz.
Cadela Bala e equipe de bombeiros do Espírito Santo que participaram das buscas as vítimas em Mariana/MG, após o rompimento da barragem da Samarco em 2015
Informa que esse modelo foi abandonado mundialmente a partir da década de 70. “Entender que o cão tem que ficar no quartel e não com seu líder, vai contra qualquer ciência. O cão tem comportamento de matilha e precisa ter uma liderança”. Acrescenta que a partir desse período “foi difundido que o animal precisaria acompanhar seu líder para casa, então policiais e bombeiros passaram a levar seus cães consigo. São os responsáveis pelos cães que são recebidos filhotes e ficam com esse animal até o fim de sua vida como um membro da família”.
O Coronel Merigueti destaca que o trabalho segue exemplo do realizado pelo exército americano. “Nas forças armadas o cão é passado ao militar, vai para a guerra com o militar, dorme na mesma barraca que militar, e quando o militar vira veterano, o cachorro vai junto. Se o militar morre em combate, o animal é entregue à família. Em momento algum o estado se torna proprietário do animal”. Continua destacando que o modelo tradicional no Brasil ainda é de cães dentro dos quartéis – “os militares passam pelo quartel, mas qualquer outro problema de transferência ou técnico o animal é deixado. O militar bombeiro quando de férias, deixa o animal no quartel, então não há vínculo emocional que faz parte da questão técnica do trabalho; desta forma é imprescindível que esse vínculo entre o cão e o ser humano seja forte potencializando o salvamento de vidas”.
Questionado sobre a questão do vínculo, inclusive afetivo, reafirma sobre a importância de tal fortalecimento. “Começamos a trabalhar com cães nos bombeiros em 2006, efetivamos o trabalho em 2013, montamos o serviço de cães onde cada bombeiro militar que se voluntariasse a participar desse programa, ganharia um filhote com sessenta dias de idade e esse bombeiro iria criá-lo como seu. Após um ano e meio de treinamento em conjunto, realizado semanalmente com continuação em casa, o cão deve passar por uma certificação, onde é atestado se cão e homem tem condição de atender ocorrências de salvamento, integrados como parceiros, como uma dupla, um conjunto”.
Há cinco anos o modelo foi adotado, alcançando ótimos resultados. “Começamos com um cão e três homens, hoje são 10 cães certificados, mais três em processo e chegamos a vinte homens. O objetivo é chegar a 20 cães e 40 homens espalhados pelo estado”.
O Coronel Merigueti reforça que o trabalho dos bombeiros é voluntário e que esses militares não abandonam as suas funções originais. “Deu alguma emergência envolvendo cães, é acionado, como se fosse uma força tarefa e a partir de então assume essa ação”.
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Ainda sobre a filosofia do trabalho – “Foram resgatados alguns valores pessoais, éticos, morais e técnicos. Aumentamos o vínculo entre homem e cão. Potencializamos o emprego do cão nas ocorrências e a própria saúde dos animais. Hoje o que temos de problemas de saúde na quase totalidade são alguns acidentes adquiridos em ocorrência. Não se vê problemas de estresses dos animais e nem relacionado a maus tratos, os animais trabalham felizes pois entendem o trabalho com diversão junto a seus condutores”.
Ainda sobre a saúde dos animais e acidentes, Pagani pergunta se já ocorreram acidentes graves e a perda de animais em ocorrências. E o Coronel Merigueti afirma em tom de satisfação: “nunca perdemos um cão em ocorrência!”
O Dr. Pagani indaga sobre essa filosofia e se o resgate é trabalhado como conquista, como se fosse uma vitória quando da missão cumprida e o momento dividido com seu parceiro humano. O Coronel responde que “em todo treinamento, quem está com a recompensa é exatamente figurante que simula ser a vítima. Então quem recompensa o cão é a vítima e desta forma ao encontrar a vítima ele recebe sua recompensa e logo após chega o condutor que fortalece essa vitória.” Continua explicando que “ao localizar a vítima o cachorro vai latir, para avisar, e só recebe o prêmio quando o condutor chega. O cão então fica feliz pois o condutor chegou, o recompensou e ainda recebeu o que mais queria”.
O treinamento foca desde o sair para fazer a busca, que dura de uma hora até vários dias como no caso do rompimento da barragem da Samarco em Mariana em 2015 – “foram dez dias trabalhando dez horas por dia, sempre homem-cão que dormiam por vezes no meio da lama” cita Merigueti; lembra também das fortes chuvas e enchentes que atingiram o estado 2013, onde “foi preciso passar as festas de final de ano, Natal e Réveillon em trabalho intenso no meio da lama onde dormiam no local homem e cachorro”. Lembrou de uma ocorrência em Baixo Guandu quando a tropa foi para um hotel disponibilizado pelo prefeito – “mas como tínhamos os animais, fomos dormir em um hangar onde estavam os cães, óbvio!”.
A percepção é clara da proximidade na relação homem-cão e o Dr. Pagani questiona se é feito algum trabalho de preparação psicológica com o bombeiro condutor para possível perda de seu parceiro em virtude do vínculo criado homem-cão, por mais que tenham estes um trabalho psicológico forte inerente a sua atividade. Meregueti responde que especificamente não, mas que contam com a formação do bombeiro militar com condição e preparo emocional diferenciados – “em perdas não podemos nos lamentar, sempre há outras vidas a serem por nós salvas”.
Pagani então questiona se há alguma contrapartida do Estado ao bombeiro para manutenção desses animais e segundo Meregueti a criação com cuidados e alimentação é de inteira responsabilidade dos bombeiros – “até a certificação é por conta dele. Pegam o cachorro com 60 dias. É voluntário. Não tem diferenciação na escala de serviço, no salário, nada. A recompensa: menos estresse, que alivia, pois trabalhar com animal alivia. Depois de 18 meses, após a certificação, passa a receber uma cota mensal de ração especial para cães de esporte. A assistência veterinária está prevista, mas tem um problema sério que é fazer uma licitação para serviço veterinário”. Queixa-se de não encontrar no mercado médicos veterinários que se dedicam especificamente à área relatando que “os profissionais estão se especializando muito em animais de grande porte ou pets, e os cães de resgate dos bombeiros são totalmente diferentes disso. São animais que estão entre um lobo e um pet; tem que ter a ligação com o homem, do pet, mas manter a rusticidade de um lobo”.
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Questionado sobre as raças dos cães, Merigueti responde que os principais são o pastor alemão e pastor malinois. “Tentei trabalhar com labrador, mas não deu certo, pela resistência, por ser um cão d’água criado para trazer a caça, um retriever. É preciso um cão caçador nato, é preciso ter instinto para superar qualquer obstáculo e enfrentar o inimigo para proteger o rebanho”. Reforça que prefere o pastor alemão por ser uma raça com animais com temperamento firme, resistente, inteligente e equilibrado. Já o malinois, apesar de ser uma boa raça, por vezes falta equilíbrio sendo mais sensível quando comparado ao pastor alemão. “Para o nosso modelo o malinois tem que dar muito mais atenção pois é um cachorro que não vai trabalhar precisando acompanha-lo o tempo todo. Você entra no meio da mata e o cachorro tem de sair – tem que ter certa independência – ao mesmo tempo em que mantém o vínculo, tem que ter independência no trabalho. Liberdade, encontrou, tem que acionar o condutor para vir para recompensa. O cão tem de ter tomada de decisão – é para ele ir caçar!”.
Merigueti lembra que viu documentário onde foi feita comparação entre o cão pet e o lobo. “O cão pet segue todas as indicações do ser humano. Tem uma dependência muito grande. Já o lobo despreza todas as indicações, é totalmente independente. E que nós precisamos de um meio termo. O cão de trabalho tem que possuir esse equilíbrio: uma ligação com o ser humano e ao mesmo tempo a independência para fazer o trabalho, o salvamento, ação conjunta com as policias militar e a civil, localização de drogas, de explosivos, capturas de delinquentes”.
Continuando no assunto etologia, Pagani questiona se na seleção dos filhotes existe algum trabalho específico ou o bombeiro simplesmente escolhe o filhote em numa ninhada, e ainda se os filhotes caracteristicamente alfas, que demonstram liderança desde pequenos, se encaixam melhor no trabalho. Merigueti menciona que existem vários processos hoje mas dando destaque à metodologia realizada na República Tcheca onde a polícia nacional local durante dez anos fez um trabalho com pastores alemães “traçaram vários perfis e observando vários os processos de seleção, mas eles valorizam muito mais a socialização do animal e seus drives de caça e presa corroborando justamente com que é feito atualmente”. Conta que começou a criar filhotes para doar aos bombeiros para que sejam criados por estes, começando a se especializar em seleção de animais – “a maioria dos processos é engessado, então e acaba por vezes selecionando cães que não funcionam para salvamento ou pior, desqualifica-se animais, que as vezes a gente doa para uma casa, para ser um cão pet, que seriam ótimos cães de salvamento”. Sobre o cão alfa informa que sua principal função é a reprodução não possuindo as melhores características para o trabalho de resgate de vítimas – “na matilha o alfa não é o caçador, não é o farejador; ele é o líder na hora de abater a presa, mas quem vai farejar, quem vai cercar são os betas, e são eles que me interessam!”.
Existe diferenciação entre machos e fêmeas em termos de qualidade do trabalho? Pergunta Pagani, Meregueti responde que não – “apenas na hora de conduzir. Uma fêmea é geralmente mais ligada com o condutor. Para condutores mais duros e ríspidos, é melhor um macho dominante, porque aí ele vai enfrentar”.
Veículo do projeto K9 do Corpo de Bombeiros Militar do ES
Em nova pergunta, Pagani reforça a informação sobre o treinamento não somente para o cão, mas também para o bombeiro e se poderia ocorrer de o bombeiro “estragar o cão”. Meregueti ratifica que os bombeiros têm treinamento constante, mas que mesmo assim o humano pode interferir negativamente sobre o treinamento do cão – “é por isso do pastor alemão, ele resiste muito melhor às falhas humanas. Se fosse um malinois, já tinha estragado. Se fosse um labrador, já não teria resistido. Então hoje o pastor alemão é o equilíbrio”. Reforça que o equilíbrio também precisa ocorrer no binômio homem-cão – “quando pega um condutor muito militar, que é rígido no comportamento com ele mesmo, não rígido com o animal em si, o cachorro percebe. Então precisa colocar um cachorro que precisa de alguém mais rígido. Quando é um militar menos rígido, é melhor um animal mais tranquilo”.
Perguntado se se consegue já na seleção dos filhotes fazer essa avaliação para o perfil do militar e se o trabalho é para qualquer bombeiro que se voluntaria, Merigueti informa que existem outros 8 municípios com núcleos K9 e que quando alguém quer participar, procura um desses núcleos – “ao procurar um desses núcleos K9 o chefe passa para o coordenador geral das equipes. O interessado começa a auxiliar a equipe, entender, a limpar canil, transportar cachorro. Mesmo como Coronel, a primeira coisa que fiz pela manhã foi limpar o canil dos meus quatro cachorros. Tenho uma convivência diária com eles, mesmo que minha função considerando o modelo antigo, não permita. Se você rodar o Brasil e perguntar quantos Coronéis fazem isso diariamente com seus cachorros, se encontrar dois é muito”.
Pagani comenta então que a forma de trabalho é portanto diferenciada no estado com vínculo de fato entre o condutor e o cão. Quando Merigueti reforça que “quem pretende resgar vidas, atender à população, tem de possuir uma luz diferenciada. E essa luz não vai ser acesa ou potencializada por valores monetários. Ou você tem ou não tem. Podemos até convidar mas ninguém é obrigado a participar do programa” finaliza.
Outras informações sobre Serviço de Salvamento com Cães – K9 do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Espírito Santo – CBMES em https://cb.es.gov.br/
Fonte: CRMV-ES