CRMV-ES realiza Workshop sobre Esporotricose Zoonótica pela perspectiva da Saúde Única
Evento reuniu especialistas para debater desafios, avanços e estratégias no enfrentamento da doença no Brasil, com o foco na realidade do Espírito Santo
O Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado do Espírito Santo (CRMV-ES) promoveu, na última terça-feira (08/04), um Workshop sobre Esporotricose Zoonótica, reunindo estudantes e profissionais das áreas de Medicina Veterinária, Medicina Humana e Vigilância em Saúde, para uma discussão técnica e multidisciplinar sobre o avanço da doença no Brasil, trazendo também um histórico de casos no Espírito Santo. A iniciativa foi organizada pela Comissão Técnica de Saúde Única e realizada no auditório da Faesa, instituição de ensino parceira do Conselho, em Vitória.

A Diretoria Executiva do Conselho foi representada pelo vice-presidente, Rodolpho Barros, que fez a abertura do evento. Com o crescente aumento da doença no estado, o médico-veterinário e presidente da Comissão Técnica de Saúde Única, Adilson Arimatea Rosa, ressalta que a organização do Workshop teve o objetivo de colocar o assunto em pauta, com informações importantes e atuais para ajudar a estruturar um fluxo de atendimento junto às Secretarias de Saúde e demais setores.
“Com isso, poderão contribuir para a resolução das demandas dos municípios e restabelecer a saúde dos animais. As palestras foram de alta qualidade técnica e houve boa participação do público presente. A expectativa da Comissão com o evento foi alcançada e todos os membros ficaram satisfeitos com mais um evento realizado com a parceria do Conselho”, comenta Adilson.
O Workshop evidenciou que o controle da esporotricose exige esforço conjunto entre setores, municípios e profissionais de diferentes áreas. Além de reunir e expor experiências, dados e protocolos atuais, o evento reforçou a importância de sensibilizar os profissionais para a notificação correta dos casos e promover o fortalecimento das estruturas locais para o enfrentamento da doença.
Panoramas nacional e estadual
Abrindo o evento, o médico-veterinário e membro da Comissão Técnica de Saúde Única do CRMV-ES, Marco Antonio da Rocha Ferreira, apresentou um panorama da evolução da esporotricose no Brasil e no Espírito Santo. Ele destacou a mudança no perfil de transmissão da doença — antes predominantemente ocupacional e hoje como uma zoonose de importância para a saúde pública —, apresentando dados epidemiológicos e históricos.
“Ao abordar o aspecto histórico, a mudança no perfil epidemiológico e a expansão da doença no estado nos últimos 10 anos, acredito que tenha sido possível esclarecer aos profissionais presentes o que já foi feito no Espírito Santo, os desafios que ainda temos que enfrentar e as perspectivas para o controle e prevenção da doença tanto em animais como em humanos”, comenta o profissional.
Marco relembrou que, no Espírito Santo, os primeiros registros ocorreram em 2016, mas foi em 2018 que a esporotricose passou a ter mais atenção devido ao aumento dos casos. “Naquele ano, o CRMV-ES realizou o I Simpósio Estadual de Saúde Pública sobre Esporotricose, que trouxe especialistas de outros estados e nos auxiliou a desenvolver estratégias locais de enfrentamento da doença”, diz.
Entre os avanços, destacou a criação pela Secretaria de Estado da Saúde do primeiro protocolo de vigilância, a obrigatoriedade de notificação de casos humanos em 2020 (Portaria Estadual 054-R/2020) e, mais recentemente, o segundo protocolo estadual, a inclusão da esporotricose animal como doença de notificação compulsória (Portaria 115-R/2022) e a disponibilização do sistema RedCap para notificações de esporotricose animal por médicos-veterinários da rede privada. “A LGPD é respeitada e o preenchimento da ficha garante a proteção de dados”, explicou. Ainda assim, Marco alertou para a subnotificação e os desafios enfrentados na vigilância. “Temos municípios sem médicos-veterinários nas Secretarias Municipais de Saúde, serviços de vigilância de zoonoses, sem estrutura adequada e dificuldades no diagnóstico e tratamento dos animais pelo serviço público”, afirmou.
Mas o evento trouxe boas perspectivas, na visão do médico-veterinário. “Como o evento também abordou a esporotricose zoonótica sob o olhar de Uma Só Saúde, fiquei muito feliz em ver que além dos estudantes e colegas médicos-veterinários dos serviços públicos e privados, tínhamos outros profissionais de Saúde, como enfermeiros, o que demonstra o interesse no assunto e reforça a conexão entre a saúde humana, animal, vegetal e ambiental. Nos mostra também que estamos evoluindo na colaboração entre diferentes profissionais, instituições e setores, no intuito de fornecer soluções de maneira mais abrangentes e efetivas para a proteção e promoção da saúde”, destaca.
Diagnóstico e confirmação da esporotricose humana
O médico infectologista Angelo Lindoso trouxe à discussão o ponto de vista da Medicina humana, destacando a importância de uma abordagem integrada. “Os médicos-veterinários começaram a fazer o diagnóstico da esporotricose felina, mas antes ninguém falava sobre a doença em humanos. Aos poucos, começaram a observar, ao diagnosticar num animal, se haviam lesões semelhantes nos responsáveis dos animais, e aí nos enviavam para diagnóstico. Hoje observamos que temos um número absurdo de casos ocorrendo em todo país”, mencionou no início de sua palestra.
O doutor enfatizou a gravidade do cenário epidemiológico da esporotricose humana no país, especialmente no Espírito Santo e em São Paulo, e alertou para a subnotificação e a importância da confirmação diagnóstica.
“Vários fatores contribuem para que a doença ocorra e aumente em muitos lugares. A carga da doença felina e humana em nosso país é alta. Mas apesar de hoje termos a notificação compulsória para esporotricose humana, muitos municípios ainda não têm estrutura para diagnóstico e tratamento adequados. E a esporotricose ainda é muito subnotificada, por vezes por dificuldade da confirmação do diagnóstico”, explicou. Durante a palestra, o médico explicou mais sobre o fungo e abordou os diferentes métodos laboratoriais e clínicos utilizados para confirmação da doença, como cultura, sorologia e testes moleculares.
Para o profissional, eventos como o realizado pelo CRMV-ES são essenciais para estimular a formação de redes intersetoriais e fortalecer a abordagem da Saúde Única. “É fundamental que médicos, médicos-veterinários, enfermeiros, profissionais da vigilância e outros setores estejam sensibilizados e capacitados para orientar os cuidadores sobre o aparecimento da doença nos humanos, orientar para que procurem um médico para possibilitar o diagnóstico oportuno e o tratamento adequado”, declarou.
Para o dr. Angelo, eventos como esse devem ser replicados “juntando não só médicos-veterinários, mas também outros profissionais da área de saúde. Talvez seria muito interessante o próprio Conselho de Medicina Veterinária se unir ao Conselho de Medicina humana e a profissionais do Conselho Regional de Enfermagem, por exemplo. É uma doença extremamente negligenciada, que ocorre em zona rural, mas também corre muito em zona urbana”.
Enfrentamento da esporotricose no Paraná
Encerrando o ciclo de palestras, a médica-veterinária Roselane Langer, integrante da Secretaria de Estado da Saúde do Paraná, compartilhou a experiência do estado na gestão da esporotricose. Ela destacou os desafios enfrentados pelas gestões locais, especialmente a ausência de políticas públicas voltadas ao enfrentamento da doença em animais, apesar dos avanços na notificação humana e animal.
“É muito difícil convencer o Poder Público a dar a devida importância à doença e ao enfrentamento. A esporotricose é uma doença extremamente negligenciada, uma vez que os indicadores epidemiológicos de mortalidade não demonstram a sua gravidade, por dificilmente levar a óbito. Poderemos ter óbitos com esporotricose, mas dificilmente óbitos por esporotricose, embora o sofrimento dos animais e das pessoas infectadas seja muito grande”, comentou.
Roselane também chamou atenção para a dificuldade de atuação junto aos gatos de vida livre (em situação de rua), considerados potenciais transmissores da doença. “Sem um tutor responsável, é difícil garantir o tratamento. Além disso, a morte desses animais em locais inadequados representa um risco à saúde pública, devido à contaminação do solo e do ambiente”, alertou.
A ótica da Saúde Única é necessária para o enfrentamento adequado da doença. “É um problema muito grave e ainda é um grande desafio para nós, porque ela realmente envolve a questão do animal, a questão do meio ambiente e a questão humana. E se nós não fizermos essa integração intersetorial e interinstitucional, teremos uma dificuldade ainda maior para o enfrentamento da esporotricose. Para nós rompermos o ciclo de transmissão da doença, se faz necessário que tratemos também os animais, não apenas os humanos. Também não podemos deixar de lado os cuidados com o meio ambiente”, conclui a médica-veterinária.
Roselane também ressaltou a necessidade de parcerias entre o Setor Público e clínicas veterinárias privadas, como já ocorre em alguns municípios do Paraná, e a importância de eventos como o Workshop.
“No Paraná, temos iniciativas que vêm gerando bons resultados na capacitação e sensibilização dos profissionais médicos veterinários para o atendimento e diagnóstico oportuno dos animais. Nós percorremos um grande caminho para que pudéssemos disponibilizar o medicamento gratuitamente para o tratamento dos animais. E um dos principais argumentos que nós pontuamos foi por tratar-se de um problema de Saúde Única. Essa troca de conhecimentos sobre o assunto num evento como este foi, sem dúvida, um ganho muito grande para todos, tanto para os profissionais da saúde, quanto para o serviço público e para a população, principalmente”, disse Roselane.
“Parabenizo o Conselho de Medicina Veterinária do ES pela iniciativa de promover este evento, uma vez da importância em capacitar os profissionais para o diagnóstico oportuno, o tratamento e as medidas de prevenção para minimizar os riscos de contaminação tanto para os animais quanto para as pessoas”, completou.
Aprendizados para futuros profissionais
A assessora técnica da Vigilância e Controle em Zoonoses de Linhares e estudante de Medicina Veterinária, Lara Zuccolotto Carlett, considerou o evento uma experiência enriquecedora. “Tive a oportunidade de adquirir muito conhecimento sobre um tema de grande relevância para a saúde pública. Aprendi sobre formas de prevenção, diagnóstico, tratamento e projetos baseados em leis para diminuição dos casos de esporotricose tanto em humanos quanto em animais. Sem dúvida, saio deste evento mais preparada e motivada para compartilhar na prática essas informações com meu município”, comentou.
Já a estudante de Medicina Veterinária Mylena Burato Riguetti considerou as informações das palestras complementações interessantes para a formação. “O conteúdo abordado trouxe dados relevantes, atualizações importantes e, principalmente, muitos relatos de casos e vivências da prática clínica, o que agregou muito ao meu conhecimento. Especialmente agora, como graduanda em Medicina Veterinária. Foi uma excelente oportunidade para aprofundar ainda mais minha compreensão sobre essa importante zoonose”, contou.