Cuidados da cesariana na Medicina Veterinária
A reprodução de animais de companhia é vista por muitos tutores como forma de renda e em alguns casos, como uma forma de apego aos progenitores, preservando assim, características desses animais, dentro da família. Por outro lado, a reprodução de cães e gatos pode ocorrer sem planejamento e até mesmo sem acompanhamento adequado pelo médico-veterinário, implicando em uma série de riscos aos pacientes.
O acompanhamento do pré-natal da mãe e dos filhotes, com a realização de exames hematológicos e de imagem, torna-se fundamental para redução dos riscos inerentes a gestação, da mesma forma as orientações do médico veterinário com relação ao protocolo vacinal da mãe, everminação, proteção contra ectoparasitas, características do parto e tempo estimado de gestação para cada espécie, pode tornar a família mais preparada para minimizar possíveis intercorrências.
A cirurgia cesariana, no âmbito da medicina veterinária, pode ser adotada como forma de terapia emergencial, em situações que a saúde da mãe e filhotes corre risco, ou de forma planejada (eletiva) visando maior sucesso da gestação e sobrevida dos filhotes. Dessa forma, diversos fatores podem influenciar na decisão de se trazer os filhotes ao mundo através da intervenção cirúrgica.
Fatores decisivos para realização do procedimento cirúrgico
– Sofrimento fetal: caracterizado pela alteração da atividade cardíaca em fetos maduros, decorrente de hipóxia e hipercapnia devido ao comprometimento na troca de gases entre mãe e filhote. Devendo-se optar imediatamente pelo procedimento cirúrgico.
– Tamanho dos filhotes: fator que influencia diretamente na possibilidade ou não de passagem do filhote através do canal do parto. Em raças pequenas, na presença de um ou dois fetos, muitas vezes o crescimento exacerbado de um dos filhotes, prejudica a saída do mesmo e dos demais.
– Estática fetal anômala: envolvendo a apresentação e posição do feto através do canal do parto. Diretamente relacionado à ocorrência da distocia.
– Alterações na via fetal: fraturas pélvicas mal consolidadas, tamanho reduzido do canal pélvico, cérvix, estenose ou obstrução da vagina ou vulva e prolapso vaginal/uterino podem dificultar ou impedir a passagem dos fetos.
– Inércia uterina primária e secundária: algumas cadelas muito idosas ou muito jovens (prenhez em seu primeiro cio) apresentam dificuldade em produzir contrações uterinas. A inércia uterina primária se dá pela falha na expulsão dos fetos através da dilatação da cérvix incompleta, enquanto a inércia uterina secundária ocorre por contrações uterinas improdutivas e, consequentemente, fadiga muscular.
– Raças específicas: algumas raças possuem predisposição a ocorrência de distocia devido características anatômicas, como os braquicefálicos (exemplo de Pugs, Boston Terriers, Bulldogs franceses e ingleses, etc). As fêmeas dessa raça possuem a pelve curta, enquanto os filhotes possuem a cabeça larga, o que dificulta a passagem dos mesmos.
– Histórico de distocia: fêmeas que já possuem histórico de complicações em partos anteriores possuem grandes riscos de que o quadro de distocia se repita.
Técnica operatória
Ao optar pelo procedimento cirúrgico, seja de forma eletiva ou emergencial, toda a equipe deverá estar preparada para o ato operatório. O anestesista atento a condição fisiológica da paciente, possíveis enfermidades associadas, plano anestésico adequado e viabilidade, ou não, para realização de bloqueios locorregionais, assegura o início e manutenção do procedimento, enquanto que o cirurgião detendo conhecimento anatômico, destreza e rapidez proporciona maior eficácia e sucesso do ato cirúrgico. Possuir um auxiliar e volantes treinados também contribuiu para maior taxa de sucesso, visto que, em alguns casos, os filhotes se encontram em depressão respiratória, sendo necessária a intervenção rápida para sobrevivência dos mesmos.
Cuidados com assepsia e antissepsia devem ser tomados como em qualquer outra cirurgia de rotina, preconizando maior velocidade na execução da técnica asséptica para evitar depressão respiratória nos futuros neonatos.
Devido a distensão uterina, o cirurgião experiente deverá tomar cuidado no momento da incisão da pele e parede abdominal, justamente pelo risco de incidir precocemente o útero. A partir da celiotomia, procede-se com a exposição de ambos os cornos uterinos e posterior incisão da parede uterina, inicialmente com bisturi e em seguida com tesoura (preferencialmente romba-romba).
A exposição dos filhotes deverá ser realizada de forma cautelosa, através de compressão do útero e leve tração. Dando continuidade ao procedimento com ruptura dos anexos fetais, pinçamento e ligadura dos vasos umbilicais, e cuidados com o neonato.
Quando o procedimento é realizado sem ovario-histerectomia concomitante, preserva-se o útero e padrão de sutura adotado na parede uterina, varia de acordo com a experiência do cirurgião, preconizando material absorvível, em duas camadas, normalmente contínuas, para histerorrafia adequada.
Sucesso cirúrgico
O treinamento e sincronia de toda a equipe cirúrgica estão diretamente relacionados à taxa de sucesso da operação, assim como o acompanhamento da gestação pelo médico-veterinário responsável e triagem dos casos que necessariamente deverão ser encaminhados para o centro cirúrgico.
Autores: Allan Tessaro dos Santos, médico veterinário graduado pela Universidade Federal do Espírito Santo e pós-graduando em Clínica Cirúrgica de Pequenos Animais, pelo Instituto Qualittas. Gabriela Fiuza, médica veterinária graduada pela Universidade Federal do Espírito Santo e residente em Clínica Cirúrgica de Animais de Companhia, pela Universidade Federal do Espírito Santo.